segunda-feira, 12 de julho de 2010

ONDE FORAM PARAR TODOS OS CRIMINOSOS?

Constantemente quer em loja, quer no mundo profano nos deparamos com depoimentos comoventes ou mesmo debates calorosos sobre a onda de violência que assola nossa cidade, nosso estado e nosso pais.
Os debates são sempre seguidos de propostas de soluções baseadas num achismo emocional que chega as raias do ridículo. O que é pior, quando este debate ocorre na TV, ou nos jornais, os “especialistas” também acham soluções fantasiosas.
Gostaria de apresentar aos Irs. um estudo técnico, embasado em dados estatísticos corretos e com pesquisas metodológicas que demonstram as soluções que por vezes nos fogem exatamente por falta de metodologia científica.
Os dados se referem aos EUA, porém os problemas e as soluções podem perfeitamente serem aproveitadas aqui no Brasil, em Santa Catarina e mesmo em Florianópolis.
Vejamos:
Em 1989, a criminalidade atingia seu pico nos EUA. Nos 15 anos anteriores, os crimes violentos haviam aumentado 80%, constituindo a essência dos telejornais e das discussões nacionais.
Quando o índice de criminalidade começaram a cair no inicio dos anos 90, esta queda foi tão rápida e repentina que surpreendeu a todo mundo. Alguns especialistas precisaram de vários anos para reconhecer a queda, tão confiantes estavam em seu contínuo crescimento.
As provas, porém, eram irrefutáveis: a longa e brutal escalada da criminalidade vinha fazendo o caminho oposto e não interromperia essa tendência até que os índices chegassem ao patamar de 40 anos atrás.
Agora os especialistas corriam para justificar suas previsões equivocadas. Os alardeados banhos de sangue, com sangue escorrendo nas ruas e guetos das grandes cidades não ocorreram.
Surgiu então a grande pergunta: onde foram parar todos aqueles criminosos?
Algumas das explicações:
1. Estratégia policial inovadora......................52 menções nos Jornais de maior circulação.
2. Crescente confiança nas prisões..................................................................47 menções.
3. Mudança no mercado de crack e outras drogas..........................................33 menções.
4. Envelhecimento da população,,,,,,,,,,,,...................................................,,,,,,,32 menções.
5. Leis mais rígidas de controle de armas..........................................................32 menções.
6. Melhora da situação econômica....................................................................28 menções.
7. Número maior de policiais.............................................................................26 menções.
8. Outras explicações (aumento da pena, remuneração pela devolução de armas, diminuição da idade para imputabilidade, etc.).... .......................................34 m3nções.
Das sete principais, apenas três podem comprovadamente ter contribuído. As outras não passam de fantasia, autopromoção ou ilusão de alguém. Uma das grandes causas mensuráveis não aparece na lista, pois não recebeu uma única menção nos jornais ou revistas.
Analisemos algumas:
A melhora da situação econômica: é verdadeiro em parte. Houve um declínio na criminalidade, quando na melhora da economia nos ano 90 e a conseqüente diminuição do desemprego. Porém isso ocorreu somente nos crimes tipificados por motivação econômica – assaltos a residências e pessoas e roubo de carros – e não a crimes violentos como homicídios, agressão e estupros. As pesquisas revelam que uma queda de 1% no desemprego responde por uma queda de 1% nos crimes não-violentos. Durante os anos 90, o desemprego caiu 2% e os crimes não-violentos caíram 40%. Houve uma queda mais acentuada ainda em relação aos crimes violentos como homicídios, e não existe correlação alguma entre eles.
Consideremos agora: A crescente confiança nas prisões.
Ao longo da primeira metade do século XX a incidência dos crimes violentos foi de um aumento constante. È claro que um dos principais fatores foi um sistema judicial leniente. O índice de condenações caiu durante a década de 60 e as penas eram menores. Isto ocorreu devido a expansão dos direitos dos acusados, principalmente os de problemas raciais. Tendo em vista que os criminosos reagem como qualquer ser humano, a incentivos. O resultado foi uma escala da violência.
Após um período de turbulência em que os incentivos acabaram reduzidos. Entre 1980 e 2000, o numero de acusados por crime relacionado a droga e condenados, aumentou 15 vezes. Em 2000 havia mais de 2 milhões de presos nas cadeias, 4 vezes mais que em 1972. Metade deste crescimento ocorreu na década de 90.
São muito fortes os indícios que vinculam o endurecimento da pena com a diminuição da criminalidade. Apesar do alto custo (cada preso custava $25 mil por ano) o encarceramento foi certamente um fator chave, respondendo por um terço da queda na criminalidade.
Outra explicação correlata com a anterior diz do: aumento da aplicação da pena capital.
O número de execuções nos EUA quadruplicou entre os anos 80 e 90. Analisemos dois fatos importantes:
1. Em virtude das delongas envolvidas para a execução de um prisioneiro (Igreja, Direitos Humanos, opinião internacional, etc.), nenhum criminoso seria levado a desistir do crime em função da ameaça de execução. Houve somente 478 execuções nos anos 90.
2. A segunda questão é ainda mais óbvia. Quantos crimes ela efetivamente impede? Um economista, Isaac Ehrlich, em seu estudo bastante citado diz ser de que 1 criminoso executado se traduz em 7 homicídios a menos que poderiam vir a ser cometidos por ele. Façamos as contas: Em 91 houve 14 execuções nos EUA, em 2001 foram 66. De acordo com Ehrlich estas 52 execuções extras responderiam por 364 a menos em 2001, uma redução sem dúvida nada modesta, porém menor que os 4% de redução efetivamente registradas em 2001. Assim, mesmo no cenário mais favorável apresentado por um defensor da pena de morte, a pena capital explicaria apenas 1/25 da redução do número de homicídios da década de90. Ademais como a pena de morte é aplicada somente para homicídios, seu efeito inibidor não pode ser responsável por um átimo sequer do declínio dos demais crimes violentos.
Vamos agora abordar o Aumento no número de policiais:
Nos EUA houve um aumento de 14% no numero de policiais ao longo dos anos 90.
Se analisarmos o índice de criminalidade em um conjunto de cidades onde houve eleições e conseqüentemente mais policiais foram contratados ( promessas de eleição, lá tem que ser cumprida), com outro conjunto de cidades onde não houve eleições logo o numero de policiais não aumentou, é possível medir o efeito do contingente policial extra sobre a criminalidade.
Ao se fazer esta comparação estatística constata-se que a contratação de mais policiais foi responsável por cerca de 10% da queda de criminalidade nos anos 90.
No entanto não foi só isso que mudou nos anos 90.
Analisemos as Estratégias policiais inovadoras:
Talvez nenhuma teoria soe mais atraente do que a crença de que uma policia inteligente iniba o crime.
A história funcionou mais radicalmente em Nova York, onde o prefeito Rudolph Giuliani ficou famoso com a Tolerância Zero.
A famosa Tolerância Zero nada mais era que inovações do tipo CompStar, um método computadorizado de lidar com focos locais da criminalidade.
A idéia mais fascinante de Giuliani e sua equipe era teoria da janela quebrada. Essa teoria defende que pequenos problemas não solucionados acabam em grandes problemas, ou seja, se alguém quebra uma janela e vê que a mesma não é logo concertada, a mensagem é que as demais janelas também podem ser quebradas e quem sabe mesmo o prédio todo incendiado.
Assim pequenos delitos como pular roleta do metrô, esmolar de forma agressiva, urinar na rua, lavar vidros de carro em sinaleira, passaram a ser drasticamente combatidos.
Os primeiros resultados foram exaltados pelos nova yorkinos, porém quando os índices começaram a crescer novamente, houve uma comoção geral.
Nova York sem dúvida inovou em estratégia policial e vivenciou um declínio de criminalidade nos anos 90, maior que qualquer outra cidade americana do porte. O numero de homicídios caiu de 30,7 por 100 mil habitantes em 1990, para 8,4 para pó 100 mil habitantes em 2000.
Uma análise fria dos números, porém nos leva a outras conclusões. Primeiramente a queda de criminalidade em NY começou em 1990. No final de 1993 já despencara quase 20%, Giuliani só assumiu a prefeitura em 1994.
Entre 1991 e 2001 o Departamento de Policia de NY cresceu 45%, mais de 3 vezes a média nacional. Como já foi visto o crescimento do numero de policiais, independentemente das estratégias reduz a criminalidade. Por um cálculo conservador era esperado para o aumento brutal do contingente de policiais uma queda de 18% na criminalidade. Assim sendo descontando este valor dos 76 % na queda total NY deixa de ser a líder no ranking de redução de criminalidade das cidades americanas, caindo para a faixa intermediaria.
O argumento de que a estratégia de NY foi a grande provocadora da queda de criminalidade cai por terra com a constatação de que houve queda em todos os lugares nos EUA nos anos 90. Mesmo em LA famosa por ter uma polícia deficiente, a criminalidade caiu em porcentual muito parecido com NY, quando não se leva em conta o aumento da força policial.
Exploremos agora a dualidade: Leis mais duras em relação ao porte de armas e Mudanças no mercado de drogas:
Primeiro, as armas. Vale à pena fazer uma pergunta elementar: O que é arma? É um instrumento de defesa ou de ataque?
Quase dois terços dos homicídios americanos envolvem uma arma de fogo. Praticamente existem mais armas nos EUA que o numero de homens. O índice de homicídios dos EUA é um dos maiores do mundo.
Na Suíça todo homem adulto recebe um rifle para o serviço militar, juntamente com a permissão para guardá-lo em casa. Numa proporção per capita, a Suíça tem tanto ou mais arma de fogo per capita que os EUA, no entanto é um dos lugares mais seguros do mundo. Em outras palavras, as armas não causam os crimes. Dito isso, os métodos americanos usados para manter as armas longe do alcance de pessoas capazes de cometer crimes é que são, na melhor das hipóteses: insuficientes.
Leis que impedem ou limitem o indivíduo de comprar uma arma se tornaram ineficientes, pois o mercado negro atende prontamente a demanda. Um freio moderadamente eficiente foi o aumento de penalidade aos indivíduos flagrados na posse ilegal de armas.
A devolução remunerada de armas, destaque dos noticiários na década de 90, rendeu belas fotos para os políticos, mas isso foi tudo. As armas devolvidas foram em geral peças de coleção ou velharias. O volume de armas devolvidas não chegou sequer aos pés do volume que davam entrada no mercado. Usando-se o numero de armas nos EUA e o número anual de homicídios, a probabilidade de uma dessas armas terem sido usadas para matar alguém é de uma em 10 mil. O programa de devolução envolve menos de mil armas por vez o que representa menos de 1/10 de redução de homicídios por vez. Sem qualquer impacto na queda de criminalidade.
Saliente-se também que a tese oposta, ou seja, quanto mais armas os cidadãos tiverem, menor será a criminalidade também é facilmente derrubada.
Quanto ao estouro da bolha do crack: Um estudo revelou que 25% dos homicídios de NY em 1988 estavam relacionados com o crack.
Estes números começaram a cair, quando os traficantes verificaram que a lucratividade com esta droga tornou-se desinteressante, uma vez que a concorrência entre traficantes ficou tão acirrada que os preços caíram, e não valia mais a pena se matarem por tão pouco, uma vez que os crimes em sua maioria eram entre traficantes e estes com os consumidores.
Assim a violência esmoreceu. DE 1991 a 2001, o índice de homicídios entre jovens negros caiu 48%. Tudo isso considerado, o crash do mercado de crack foi responsável por 15% da queda de criminalidade dos anos 90.
Por último:
Envelhecimento da população – Que os idosos não tinham tendência para o crime não era novidade, a possibilidade de um idoso médio ser preso é de 1/50 da de um adolescente, isso torna a teoria do envelhecimento da população tão atraente. A mudança demográfica é um processo lento e sutil, portanto não explica o repentino declínio da criminalidade. Houve, porém uma outra mudança demográfica, imprevista e de longa gestação, que drasticamente reduziu a criminalidade nos anos 90.
No final dos anos 60, vários estados começaram a permitir o aborto em circunstâncias extremas: estupros, incestos ou riscos para as mães. Em 1970, cinco estados já haviam legalizado o aborto e tornado o procedimento acessível.
Em 22 de janeiro de 1973, a legalização do aborto foi repentinamente estendida a todo país pela Suprema Corte.
A vontade das mães passou a prevalecer.
Nos primeiros anos que se seguiram, 750mil mulheres fizeram aborto nos EUA (1 para cada 4 nascimento com vida). Em 1980, o número chegava a 1,6 milhões (1 para cada 2,25 nascimento com vida), patamar que estacionou.
Até antes da decisão da Suprema Corte, eram predominantes as filhas de pais da classe média alta que faziam aborto ilegal e seguro. Agora em lugar da ilegalidade que custava cerca de $500, o aborto estava ao alcance de qualquer mulher por menos de $100.
O perfil mais beneficiado foi de mulheres solteiras, menos de 20 anos e pobre.
Que tipo de futuro o bebê desta mulher teria?
Um estudo demonstrou que a típica criança impedida de nascer nos primeiros anos da legalização do aborto estaria 50% mais propensa que a média, a viver na pobreza; teria igualmente 60% a mais de probabilidade de ser criada apenas por um dos genitores.
Esses dois fatores – uma infância pobre e um lar de mãe/pai solteiro – estão entre os mais fortes determinantes de um futuro criminoso.
É óbvio que a legalização do aborto nos EUA teve uma série de conseqüências: diminuiu o infanticídio, diminuiu os casamentos forçados e o número de bebes entregue para adoção (aumentou a adoção de bebes estrangeiros). As gravidezes aumentaram 30%, mas os nascimentos caíram 6%, logo o aborto passou a ser usado de modo cruel como controle da natalidade.
No entanto, o efeito mais dramático da legalização do aborto- e que levou anos para se fazer sentir- talvez tenha sido o seu impacto sobre a criminalidade. Em 1990, precisamente quando a primeira leva de crianças após a liberação do aborto chegaria a adolescência – época em que jovens do sexo masculino atingem seu auge criminoso – o índice de criminalidade começou a cair. Continuou caindo à medida que uma geração inteira alcançou a maior idade, e dela foram excluídas as crianças cujas mães não haviam querido pô-las no mundo. O aborto levou a um numero menor de filhos indesejados e filhos indesejados levam a altos índices de criminalidade. A legalização do aborto, assim levou a menos criminalidade.
Esta teoria está fadada a provocar inúmeras reações, bem como a variedades de objeções, das triviais as morais. Talvez seja mais cômodo acreditar nas estatísticas dos jornais apresentadas. Mas a matemática demonstra, não explica ou justifica.
Para ratificar, analisemos o resultado nos 5 primeiros estados a adotarem o aborto: Nova York, Califórnia, Washington, Alasca e Hawai onde as mulheres já podiam recorrer ao aborto dois anos antes da Suprema Corte liberar para todos.
Entre 1988 e 1997 os crimes violentos nestes estados caíram 13% se comparados aos demais; entre 1994 e 1997, seus índices de homicídios caíram 23% mais que nos outros estados.
Após a liberação total, também temos um índice de correlação entre aborto e criminalidade que comprovam a tese: Os estados com mais altos índices de aborto nos anos 70 apresentaram as maiores quedas na criminalidade nos anos 90, enquanto que o inverso também se comprovou.
Seja qual for a posição assumida frente ao aborto, resta uma pergunta:
Que atitude tomar quanto a troca de mais aborto por menos crimes?
Novamente podemos ter um grande debate. Mas, o mais importante é que a matemática pura, cruel e incisiva mostrou seus números incontestáveis. A adoção dos remédios, amargos, caros e impopulares para esse mal canceroso que corrói as entranhas da nossa sociedade vai depender de nós os pacientes e dos médicos-políticos que nos assistem.

José Arcino Silva

Baseado no livro: FREAKONOMICS
De: Steven D. Levit e Stephen J. Dubner
Editora Campus 12° Edição

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